segunda-feira, 11 de abril de 2011

A chacina é o show da vez

"08/04/2011 A chacina é o show da vez 


Se não bastasse todo brasileiro médio ser um pouco antiamericano – e não só por influência das bobagens da nossa direita nacionalista e de nossa esquerda atrasada – ainda por cima foi necessário agüentar, na TV de ontem, algumas figuras tentando se livrar de mais um problema nosso jogando a culpa nos Estados Unidos ou no “Primeiro Mundo”. Realengo, Realengo: foi nossa “primeira chacina” made in USA – eis aí o que psiquiatras, políticos, jornalistas e outros papagaios quiseram nos fazer crer pela TV. Todavia, logo que diziam isso, passavam alguma reportagem que, na cara dura, os desmentia. Como? Simples: as reportagens mostraram, junto com massacres ocorridos em vários outros países, alguns que ocorreram no Brasil. Aliás, tiros em escolas ocorrem todos os dias. Esses fatos não v iram notícia porque são encenados por atiradores ruins de mira, o que não foi o caso do ex-aluno do colégio de Realengo. Além de comemorar com a tragédia seu fanatismo antiamericanista, a imprensa também comemorou a própria tragédia. O que houve de gente que forçou as lágrimas para parecer … humano, ao menos na TV, extrapolou o que eu desejaria ver. Esperava que apenas alguns políticos vertessem lágrimas de crocodilo. Mas que nada, o que vi de gente esquisita querendo chorar e, não raro, não conseguindo, não foi pouco. Digo isso com tranqüilidade. Poucas vezes na vida tive tanta certeza ao dizer uma coisa como esta: nossas elites políticas e nossa sociedade em geral não estão nem um pouco interessadas em cuidar de escolas ou de educação ou de crianças. Mas, quando esse povo tem oportunidade de se descabelar na frente de uma escola abandonada ao Deus dará, não perde isso por nada no mundo. *Pais que jamais apareceram na escola foram chamados, desta vez, para uma reunião de morte e não para reuniões pedagógicas, e, então, finalmente, compareceram. * *Um aviso para a diretora: na próxima reunião pedagógica, use um revólver, não carta ou e-mail. * Políticos que nunca foram numa escola pública estiveram no local, em comissão, visitando as instalações e prestando “solidariedade”, principalmente se tal coisa podia render alguns segundos na frente das câmeras. Ministros e secretários que desconsideram os salários dos professores e as condições de falta de mão de obra em escolas apareceram na TV. Não deixaram de dizer que haviam deslocado todos os recursos dos governos a eles ligados para ajudar no problema da chacina e da escola em geral. Novamente me veio a lição: quando os professores estiverem em greve por melhores salários e condições dignas de trabalho, deverão eles dar uns tiros também? Deverão acertar as crianças, eles próprios ou os pais? Sim, pois, para chamar a atenção, precisam acertar quem não merece. Não podem atirar nos políticos! É claro que uma escola com professores ganhando bem e com segurança pode evitar, sim, o que ocorreu ontem. Escolas bem preparadas evitam um monte de problemas. Aliás, é exatamente isso que nos ensinam os países dos Primeiro Mundo, principalmente os Estados Unidos: basta reparar o número de chacinas evitadas pelos seguranças de universidades e escolas públicas, nesses países, e aí fica fácil entender o que estou dizendo. No Brasil, a violência na escola é de tal ordem que o sindicato paulista dos professores mostrou, há alguns anos, que mais de 85% dos professores, em cinco anos de trabalho, haviam sofrido ao menos uma agressão em sala de aula – agressão mesmo! O que é isso? Falta de segurança? Não somente, mas principalmente o problema da deterioração geral do ambiente escolar por falta de uma política salarial e por falta de uma política maior de melhoria da vida escolar. Pois o professor que é agredido é o professor pobre ou que aparenta pobre. Quando o professor tinha o mesmo status financeiro do delegado, do juiz e do prefeito, em cada cidade, as coisas eram bem diferentes. Em uma sociedade fortemente hierarquizada pelo poder do dinheiro, como é a nossa, é fácil ver quem fica à mercê da perda de respeito quando os salários são estancados. A escola deixou de ser escola quando fizeram do professor alguém que não poderia mais estar nos palanques dos políticos, em dias comemorativos, só nos palanques dos sindicatos. Foi por aí que tudo se perdeu. Foi arrancada do professor do ensino básico a condição de pertencimento das elites locais. Isso é que iniciou a quebra de prestígio da escola e, então, a corrente de migração das classes médias da escola pública para a particular. A partir daí, n ada mais funcionou. O atirador da escola de Realengo mataria alguém, dentro ou no portão da escola. Claro. Mas, aqui, meu problema não é com ele. Sobre ele, já escrevi. Sobre como diminuir problemas desse tipo, já falei em outro texto e, enfim, também neste, ao lembrar da segurança das escolas no Primeiro Mundo. Meu problema aqui é o de mostrar que, infelizmente, só o barulho do revólver e só a cor de sangue faz a sociedade voltar os olhos para a escola brasileira. Que continue o show! Todos parecem pedir isso. O show de ver políticos – todos – irem para a TV para dizer que “educação é prioridade”. Mas não é. E não é porque a nossa sociedade não tem mais o ensino escolar como um valor. As pessoas se acostumaram a ver escolas sem banheiro, sem guardas, sem material e, enfim, se habituaram a ver o professor como mendigo, despreparado moral, intelectual e financeiramente. Nossa sociedade aprendeu a valorizar o diploma, não o ensino. Os alunos estão aprendendo também essa inversão moral. Querem nota e “progressão automática”. Os pais reclamam disso, mas, no fundo, também querem exatamente somente isso. A escol a? Ah, quando alguém promover nova desgraça, todos aparecerão lá novamente. A escola vai para a TV quando há sangue, drogas, violência e coisas assim. Fora disso, volta o cotidiano de um ambiente de mortos – mortos literais e mortos metafóricos." 


© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr. , filósofo, escritor e professor da UFRRJ PS: Corretíssimo texto divulgado na internet do Prof. Paulo Ghiraldelli Jr da UFRRJ sobre o caso da escola em Realengo.

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