sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A morte da Caligrafia?

 




O site Revistapontocom publicou uma reportagem interessantíssima sobre a questão da escrita à mão nos dias de hoje e o papel da escola. Vale a pena conferir sobre essa questão e outras como o espaço de existência da caligrafia na era digital, além de conferir o artigo do escritor Umberto Eco que recentemente levantou essa polêmica mundial. 


http://www.revistapontocom.org.br/ UOL Notícias 


Escrever à mão está virando uma coisa do passado - 28/05/2009






A arte perdida da escrita à mão Por Umberto Eco professor de semiótica, crítico literário e romancista. Entre seus principais livros estão “O Nome da Rosa” e o “Pêndulo de Foucault”. Recentemente, dois jornalistas italianos escreveram um artigo de jornal de três páginas (impresso, infelizmente) sobre o declínio da escrita à mão. Agora não é mais novidade: a maioria das crianças – por causa dos computadores (quando os usam) e mensagens de texto – não conseguem mais escrever à mão, a não ser em letras de forma feitas com esforço. Numa entrevista, um professor disse que seus alunos também cometem muitos erros de ortografia, o que me parece um problema diferente: os médicos sabem ortografia, mesmo assim escrevem feio; e você pode ser um calígrafo experiente e ainda assim escrever “obcessão” ou “obseção” em vez de “obsessão”. Conheço crianças cuja letra é razoavelmente boa. Mas o artigo fala de 50% das crianças italianas – e, portanto, suponho que seja graças a um destino indulgente que eu conheça apenas os outros 50% (algo que acontece comigo na arena política também). Mas a tragédia começou muito antes do computador e do telefone celular. A escrita dos meus pais era um pouco na diagonal porque eles colocavam a folha em ângulo, e suas letras eram, pelo menos para os padrões de hoje, pequenas obras de arte. Na época, alguns – provavelmente aqueles com caligrafia ruim – diziam que a escrita elaborada era a arte dos tolos. É óbvio que a escrita elaborada não significa necessariamente uma grande inteligência. Mas era agradável ler bilhetes ou documentos escritos como deveriam ser. Minha geração foi educada na boa caligrafia, e passamos os primeiros meses da escola elementar aprendendo a fazer os traços das letras. Depois, o exercício passou a ser estúpido e repressor, mas nos ensinou a manter os pulsos firmes enquanto usávamos nossas canetas para formar letras redondas e cheias de um lado e finas do outro. Bem, nem sempre – porque os tinteiros, com os quais nós sujávamos nossas escrivaninhas, cadernos, dedos e roupas, produzia com frequência uma sujeira endurecida que grudava na caneta e exigia dez minutos de contorções para limpá-la. A crise começou com o advento da caneta esferográfica. As primeiras esferográficas também faziam muita sujeira e se, logo depois de escrever, você passasse o dedo sobre as últimas palavras, inevitavelmente provocava um borrão. E as pessoas não tinham mais interesse em escrever bem, uma vez que a escrita, quando feita com uma esferográfica, mesmo uma que não borrasse, não tinha mais alma, estilo ou personalidade. Por que devemos lamentar o fim da bela escrita? A capacidade de escrever bem e rapidamente no teclado encoraja o pensamento rápido, e frequentemente (nem sempre) o corretor ortográfico sublinha os erros. Apesar de o telefone celular ter ensinado à geração mais jovem a escrever “kd vc?” em vez de “cadê você?”, não vamos esquecer que nossos antepassados teriam ficado chocados ao nos verem escrever “farmácia” em vez de “pharmácia” e “você” em vez de “vossa mercê”. Os teólogos medievais escreveram “respondeo dicendum quod”, o que teria feito Cicero se contorcer de horror. A arte de escrever à mão nos ensina a controlar nossas mãos e encoraja a coordenação entre a mão e o olho. O artigo de três páginas afirmava que escrever à mão nos obriga a compor a frase mentalmente antes de escrevê-la. Graças à resistência da caneta e do papel, isso faz com que a pessoa tenha que desacelerar e pensar. Muitos escritores, apesar de acostumados a escrever no computador, às vezes prefeririam até mesmo imprimir letras em um pedaço de argila, para que assim pudessem pensar com mais calma. É verdade que as crianças escrevem mais e mais nos computadores e telefones celulares. Apesar disso, a humanidade aprendeu a redescobrir esportes e prazeres estéticos em muitas coisas que a civilização havia eliminado por considerar desnecessárias. As pessoas não viajam mais a cavalo, mas algumas vão a escolas de montaria; existem iates a motor, mas muitas pessoas são devotadas à vela assim como os fenícios eram há 3 mil anos; há túneis e estradas de ferro, mas muitos ainda gostam de andar ou escalar os caminhos nos Alpes; as pessoas colecionam selos até mesmo na era do e-mail; e os exércitos vão para a guerra com Kalashnikovs, mas também fazemos torneios pacíficos de esgrima. Seria bom se os pais enviassem seus filhos a escolas de caligrafia para que eles pudessem participar de competições e campeonatos – não só para se consolidarem naquilo que é belo, mas também pelo bem-estar psicomotor. Essas escolas já existem; basta procurar por “escola de caligrafia” na internet. E talvez para aqueles que têm uma mão firme e não têm um emprego firme, ensinar esta arte pode se tornar um bom negócio.

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